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 EM TESTE

Uma reportagem sobre Pesquisa Clínica no Brasil 

Dos testes ao tratamento 

Há 20 anos, a fosfoetanolamina passou a ser distribuída pelo químico Gilberto Chierice por contra própria e gratuitamente. Sem testes, sem controle, sem nem ao menos saber a dose ideal. E sem o conhecimento da USP. Este foi o cenário da fosfoetanolamina até 2015, quando a Universidade proibiu sua produção. 

Por meio de grupos em redes sociais, as notícias sobre a eficácia da “pílula do câncer” circulavam, levando muitas pessoas a viajaram até São Carlos para adquirirem os comprimidos. Depoimentos de cura milagrosa são o bastante para levar pessoas que já estão sem esperança a buscarem o último suspiro de vida numa substância sem aprovação técnica. O pensamento positivo, nesse caso, pode ajudar na melhora, desencadeando o chamado “efeito placebo”.

 

Com a produção suspensa uma grande polêmica eclodiu, principalmente entre os milhares de pacientes que já utilizavam a droga e acreditavam na melhora do câncer. Porém, os testes são fundamentais e exigidos por lei para que um composto químico seja considerado medicamento. Esse é um padrão do mundo todo, não só do Brasil. Nesse sentido, a fosfo não tem nenhum tipo de registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ou seja, não pode ser distribuída ou vendida em solo nacional.

 

O uso da droga também é condenado pelo presidente da comissão do direito médico da OAB, Sílvio Eduardo Valente. Para ele, " A fosfoetanolamina é uma excrescência, fruto da perversa associação de um pesquisador inconsequente atuando em área na qual não tem formação, redes sociais que acolheram o rótulo “remédio da USP” como garantia de qualidade, e populismo do legislador, normatizando matéria sem ouvir as entidades científicas e a ANVISA”

 

No cenário da saúde nacional, o caso da fosfoetanolamina surge como uma oportunidade de mostrar para a sociedade que a bula é a comprovação de que aquele medicamento foi estudado, teve sua eficácia comprovada e seus efeitos colaterais listados. O nome difícil pode fazer parecer que a droga é eficiente, mas nem sempre é assim.

 

Poucas pessoas têm a consciência de que para um componente químico, que a promete cura de algum sintoma, chegue a ser comercializado, precisa passar por extensos estudos, que podem durar anos e até décadas.

 

Com a “pílula do câncer” essa verdade se fez mais presente em meio aos jornais, principalmente por causa das diversas ações judiciais que aconteceram para liberar o consumo por pacientes.

Afinal, por que a droga foi proibida?

A resposta está na falta de testes em humanos. Segundo a Lei 6.360/79, para que a Anvisa reconheça uma droga como um medicamento, e desta forma permita que ela seja fabricada e comercializada, o composto precisa passar por uma comprovação científica, sendo “reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias”.

 

Todo e qualquer medicamento ou procedimento médico tem a obrigatoriedade de passar pelos chamados estudos clínicos, ou pesquisa clínica, que são testes feitos para averiguar a segurança e a eficácia de um composto em seres humanos. Algo que não aconteceu com a ‘pílula do câncer’.

 

Foi apenas no dia 25 de julho de 2016 que os primeiros testes em humanos com a Fosfoetanolamina começaram a ser feitos no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), após passarem pela aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde.

 

Nesse caso, a primeira fase do estudo foi feita com 10 pacientes com tipos diferentes de câncer, para determinar a segurança da dose. Como não apresentaram efeitos colaterais, a droga seguirá para testes com mais de 20 pacientes. Segundo o Icesp, nesta primeira fase, foi avaliado que a fosfoetanolamina não é tóxica, porém ainda não se pode determinar se ela é eficaz contra a doença.

 

No total, até mil pessoas poderão participar da pesquisa, podendo levar até dois anos para o medicamento chegar ao público. Além disso, se nenhum paciente apresentar melhora, o estudo será encerrado.

Todo novo remédio, tratamento ou procedimento cirúrgico precisa passar por uma série de testes indispensáveis para comprovar a sua eficácia antes de serem disponibilizados no mercado ou administrados nos pacientes. Essa série de testes recebe o nome de Estudo ou Pesquisa Clínica.  Ela é essencial para garantir a qualidade dos novos medicamentos e identificar todas as possíveis reações adversas do produto que está sendo investigado. Além disso, ela também é responsável por garantir total segurança de cada participante que decidiu doar parte do seu tempo e da sua vida para contribuir com o avanço da ciência e da medicina.

De acordo com a Coordenadora Chefe do Núcleo de Pesquisa Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein, Isabel Clapis, para que um estudo clínico seja considerado por qualquer laboratório e abraçado por um instituto de pesquisa, ele primeiro precisa ser submetido a uma triagem feita pela Comissão Ética e todos os órgãos reguladores do país em que o estudo será realizado. No Brasil o principal órgão é o CONEP (Comitê Nacional de Ensino e Pesquisa), que faz a seleção baseado em todas as leis regulamentadoras e nas mais recentes resoluções elaboradas pelo Ministério da Saúde. 

 

“A partir do momento em que pesquisador define um projeto, ele é submetido a uma Comissão de Ética para saber se esse projeto é viável de acontecer. A partir daí ele se responsabiliza por tudo o que vai acontecer ali dentro”, disse.

As Pesquisas “Na forma da Lei”
 

No Brasil as pesquisas clínicas estão regulamentadas pelos dois principais órgãos: o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

O CNS visa à formulação de estratégias e controle das políticas de saúde no país, além da regulamentação e aspectos éticos da pesquisa clínica. Já a ANVISA, se encarrega de formular e executar a regulamentação sanitária para a condução das pesquisas no país, tendo como atribuições a programação e monitoramento dos ensaios clínicos alinhados às boas práticas.

Essa “Boas Práticas” - em inglês conhecidas como Good Clinical Practice (GCP) - são, nada mais, nada menos, que um padrão de qualidade científica e ética internacional para que haja um desenho, condução, registro e relato de estudos envolvendo seres humanos. Estar de acordo com padrão GCP significa a garantia de que os dados e resultados adquiridos possuem credibilidade e precisão, dando integridade e sigilo ao paciente.

 

Existem também dois órgãos responsáveis pelas normas e análise das pesquisas: a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Clínica (Conep) e o Comitê de Ética em Pesquisa, também conhecido como CEP. A comissão é composta por médicos, cientistas, representantes de pacientes e representantes legais, que avaliam o ensaio clínico quanto às questões de segurança. Já a comissão do Conep está ligada ao Conselho Nacional de Saúde, e foi criada pela Resolução 196 do Ministério da Saúde, tendo como função implementar normas e diretrizes regulatórias das pesquisas que envolvem seres humanos e sendo responsável pelos registros dos Conselhos de Ética em Pesquisa.

 

Por fim, os CEPs são responsáveis por analisar, em primeira instância, as implicações éticas das pesquisas. É importante dizer que as instituições de pesquisa são responsáveis por construir um ou mais comitês - dependendo da necessidade - dentro da própria instituição.

 Entraves recentes: PL 200

Corre em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 200/2015, que segundo carta aberta divulgada pelo Conselho Nacional de Saúde, é tratado como “desserviço à sociedade brasileira” e visa alterar substancialmente a legislação vigente no país.

 

O gráfico abaixo baseia-se nas informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Saúde e nas possíveis alterações caso a PL seja aprovada:

Procedimentos de segurança, garantia de qualidade, pré-requisitos e amparo

por filipe zampoli     

 termo de aceite na prática

Pesquisa clínica

O caso da Fosfoetanolamina

por Marcela Cappato

PARTE 1

A pesquisa clínica obedece a várias fases dentro das etapas de comprovação de eficácia da substância estudada e, antes de chegar na fase onde os seres humanos são envolvidos, existe toda uma experimentação inicial. Além disso, para que um estudo tenha reconhecimento e conquista a confiança de todos, os protocolos de pesquisa precisam ser feitos de maneira multicêntrica e internacional, isso é, acontecer ao mesmo tempo em diversos lugares do mundo, para que o mesmo produto investigacional seja avaliado mediante as mais diferentes condições de influência de meios externos.

 

“A gente divide um estudo em duas fases: a pré-clínica e a clínica. A fase pré-clínica é a fase em que a gente utiliza modelos animais e estudos invitro e invivo, onde vai ser possível olhar para aquela molécula que está sendo estudada e dizer se aquilo tem algum resultado que se espera para que gere utilidade na próxima fase. Depois que se avalia isso, o mínimo de segurança e eficácia, você vai para a utilização e para a parte clínica, que é quando a pesquisa é feita em seres humanos”, esclareceu Isabel.

 

A pessoa responsável pelo o sucesso do estudo, todas as etapas e os possíveis erros e problemas que venham a acontecer durante todo o protocolo é o pesquisador que assina o projeto do produto investigacional. Além de fazer toda a análise de dados, ele é responsável por acompanhar e criar uma proximidade com o participante, a fim de que a relação médico-paciente ganhe um tom familiar. Isabel conta ainda que a assistência promovida durante o protocolo varia de um projeto para o outro, mas independente do grau de proximidade entre o investigador e o participante exigido pelo estudo, as responsabilidades do pesquisador serão sempre as mesmas.

 

Um documento muito importante dentro dos protocolos de pesquisa é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, mais conhecido como TCLE. O documento funciona como um contrato e manual de instruções da pesquisa ao mesmo tempo. Ele deve conter cada micro detalhe da pesquisa que vai ser desenvolvida, além de todos os direitos e deveres de todos os participantes. Esse termo é apresentado pelo próprio investigador a cada um dos integrantes e deve ser explicado da forma mais esclarecedora possível, além de sempre deixar explícito que o integrante é livre para deixar o estudo quando quiser, sem que qualquer prejuízo lhes seja ocasionado.

 

Por falar em participantes, eles são a estrela principal de qualquer estudo clínico. Sem esses voluntários, não existiriam remédios e nem procedimentos médicos revolucionários no mercado. De acordo com Gabriela Melo, coordenadora de pesquisas clínicas do INCOR (Instituto do Coração), não existem distinções capazes de impedir uma pessoa a se tornar um participante de pesquisa. O que acaba selecionando essas pessoas são os pré-requisitos estabelecidos por cada protocolo de acordo com os objetivos da pesquisa.

 

“O participante de pesquisa é a população em geral. Só que existem critérios específicos para cada pesquisa. E aí que acaba excluindo muita gente. Pessoas saudáveis podem fazer parte de um estudo, mas nas primeiras fases, ou, dependendo do estudo, comparando alguns resultados. Mas é mais difícil porque a adesão da pessoa à pesquisa vai ser diferente. A principal disparidade fica por conta de que o paciente que possui a patologia está tendo resultado direto com esse estudo e se beneficiando, já a pessoa saudável não. Ela doa parte do seu dia, do seu tempo para participar”, contou a pesquisadora.

 Para mais informações é possível acessar a página do senado federal na qual toda a tramitação está exposta.

A pesquisa clínica de verdade

Bate aquela dorzinha de cabeça, e pronto! É o que basta para que as “farmacinhas” ambulantes sejam abertas. Muitas vezes, aspirinas são ingeridas sem qualquer cuidado na administração, por exemplo. De um modo geral, quem age assim sequer considera o quão facilitadora uma pesquisa clínica pode ser para a saúde. As pílulas são diversas, sem contar os processos cirúrgicos e até estéticos. Tudo envolve pesquisa, comprometimento e, sem dúvidas, segurança.

 

De acordo com o vice-presidente da Fiocruz, Rodrigo Stabeli, a pesquisa clínica no Brasil é algo recente, tendo seu início por volta da década de 1940, necessitando, assim, de uma atualização.

 

Ele defende que o país enxergue as pesquisas como um ponto de desenvolvimento nacional, ou seja, agregando valor ao produto aqui desenvolvido ou experimentado. Na Fiocruz, por exemplo, as pesquisas são voltadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), propiciando assim um avanço e melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira ou mundial, ou seja, com o intuito de trazer um resultado de fato. Stabeli defende a importância da pesquisa em relação ao simples avanço, como ocorre nas instituições, mas dá destaque ao papel desenvolvido na Fiocruz, que traz resultados para determinadas finalidades com as mais diversas especificidades: “Não fazemos pesquisa por pesquisa, não fazemos conhecimento por conhecimento. A gente entende que fazer conhecimento pelo conhecimento é importantíssimo, mas as Universidades possuem essa missão. Tudo que se pesquisa na Fiocruz, se faz pela melhoria da saúde do povo brasileiro, sempre pensando no fortalecimento do SUS”.

" Não fazemos pesquisa por pesquisa, não fazemos conhecimento por conhecimento. A gente entende que fazer conhecimento pelo conhecimento é importantíssimo, mas as Universidades possuem essa missão. Tudo que se pesquisa na Fiocruz, se faz pela melhoria da saúde do povo brasileiro, sempre pensando no fortalecimento do SUS"

Rodrigo Stabeli, Vice-presidente da Fiocruz

Os PARTICIPANTES e hospitais de pesquisa


A Fiocruz conta com dois hospitais localizados no Rio de Janeiro. São eles: o Instituto Nacional de Infectologia e o Instituto Nacional da Criança, mulher e adolescente. Ambos com o objetivo de trabalhar a pesquisa clínica. Os participantes são encaminhados via referência para esses hospitais e, se enquadrados em algum dos projetos que estão em andamento, são prontamente abordados pela equipe e convidados a participar. Lembrando que todos esses procedimentos são feitos dentro dos padrões e preceitos de ética médica aos quais as pesquisas devem estar sujeitas, garantindo, assim,a segurança, confiança e qualidade.

 

Num panorama nacional, em outras unidades, acontece tudo da mesma maneira, ou seja, por meio de convites dos integrantes que realizam as pesquisas e enxergam o paciente como potencial participante de pesquisa. É importante ressaltar que os hospitais que integram a rede de pesquisa clínica devem obrigatoriamente obter o aval do Fundação Instituto Oswaldo Cruz, sendo assim, passando por uma avaliação a fim de confirmar a sua capacidade de realização de tais procedimentos clínicos.
 

Os selecionados e seu “currículo médico”


Ao encontrar uma esperança de cura através de uma pesquisa que está sendo realizada, é comum que pacientes, muitas vezes em estados terminais, busquem participar do estudo. Entretanto, é preciso ter um perfil muito específico de “adjetivos” para integrar tal grupo.

Greyce Lousana, fundadora e Presidente Executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), afirma que ter vontade de participar não faz do voluntário um candidato apto a integrar o processo. Greyce diz que o método funciona como um “processo seletivo”. “Quando você pretende se candidatar a uma certa vaga de emprego é comum que algumas habilidades sejam pré-requisitos, como falar inglês, por exemplo. Com as pesquisas funciona da mesma maneira”, completa.

 

Sendo assim, obedecendo a alguns pré-requisitos, o paciente passa por um processo de triagem. Nada mais, nada menos, que uma bateria de exames na qual ele será identificado como elegível ou não para determinada pesquisa. É possível afirmar, portanto, que o participante de pesquisa necessita estar adequado perfeitamente aos critérios pré-estabelecidos. Para efeito de exemplificação, digamos que ele se adeque a 20 características obrigatórias para dar procedimento ao estudo, porém, em outros 5 critérios não foram obtidos ou verificadas as qualificações necessárias. Dessa forma, o possível candidato já não se “encaixa” àquela vaga.
 

Filas para participar de pesquisas. Isso procede?


As pesquisas funcionam, sim, como “luz no fim do túnel” para determinados casos - podemos dizer aqueles mais graves, os chamados “pacientes terminais” - ainda mais se tratando de processos em andamento no sistema público de saúde. Porém, como discutido anteriormente, é necessário que se adeque a uma quadro muito específico de características, como por exemplo um nível de hemoglobina juntamente com diversos outros requisitos.

 

Desta forma, Greyce acredita que a ideia de existirem filas de pacientes em busca de vagas em pesquisas clínicas é falha, justamente pelo nível de especificidade necessário para determinada pesquisa. Ou seja, ela defende que é mais comum que encontremos filas de grandes pesquisas em busca de pacientes específicos do que o contrário.

 

O amparo ao participante: Termo de aceite e acompanhamento psicológico

 

Ao integrar uma pesquisa, é comum que o participante se sinta inseguro, ou com medo daquilo que irá encarar, e é por isso que existem leis e princípios éticos que norteiam pacientes e pesquisadores.

 

Supervisor de uma das pesquisas que estudam o Zika Vírus, Dr. Saulo Duarte Passos, da Faculdade de Medicina de Jundiaí, juntamente com uma das colaboradoras do projeto, Maria Manuela Duarte Rodrigues, enfermeira e pesquisadora; evidenciaram a importância do termo de aceite - consentimento livre e esclarecido -, uma espécie de “contrato” pelo qual o participante da pesquisa é amparado legalmente naquele processo. Manuela afirma que o importante não é apenas a assinatura do participante, mas também explicar como serão os procedimentos da pesquisa e deixar claro que os pesquisadores garantem o anonimato de quem vier a participar, além de ser possível abandonar a pesquisa a qualquer momento. Sendo assim, o participante fica livre para decidir o que será melhor para ele.

 

No caso dessa pesquisa em andamento na cidade de Jundiaí, pelo tamanho de sua complexidade e desafios, os pesquisadores ainda contam com uma psicóloga que interage com as participantes da pesquisa a fim tornar a compreensão de seus casos mais viável. São mulheres grávidas que precisam compreender os prós e contras de fazerem parte de tal estudo no combate a um vírus ainda novo e que traz dúvidas tanto aos pesquisadores quanto às participantes.

" Quando você pretende se candidatar a uma certa vaga de emprego, é comum que algumas habilidades sejam pré-requisitos, como falar inglês, por exemplo. Com as pesquisas funciona da mesma maneira"

Greyce Lousana

Outro ponto importante de se pensar é na forma com que esses participantes são recrutados e se tornam voluntários de algum tipo de protocolo. O recrutamento dessas pessoas pode ser feito de diversas formas, mas a forma mais comum relatada pela pesquisadora Isabel é através do próprio médico que acompanha o paciente no tratamento da doença que ele possui. De acordo com a responsável pelo setor de pesquisas de um dos maiores e mais renomados hospitais do país, os próprios médicos se mantêm atualizados dos estudos vigentes ou até mesmo estão participando da produção de algum deles e, por isso acabam convidando seus pacientes com potenciais para ajudar nos avanços dos estudos a participarem dos protocolos.

 

Além dessa forma, ainda existem muitas outras maneiras de ficar sabendo da existência de algum estudo clínico e se candidatar para participar de algum deles. Isso é o que conta a pesquisadora Gabriela Melo do INCOR: “Alguns centros usam muito a divulgação por rádios, jornais, tudo depois de uma aprovação ética. Normalmente acontece de um participante ir avisando o outro, e aí se interessar a participar também, porque não é uma coisa muito divulgada. Mas o recrutamento de participantes é a principal questão discutida no meio da Pesquisa Clínica. O recrutamento e a retenção dos participantes são as maiores dificuldades”.

 

Quando Gabriela fala de retenção, ela está se referindo a permanência compulsória dos participantes em algum protocolo, algo proibido por lei no Brasil e expressa violação do Termo de Consentimento Livre. Por se tratar de uma presença voluntária, nenhum órgão, instituto de pesquisa ou médico pesquisador pode obrigar um paciente a permanecer em uma pesquisa contra sua vontade.

 

Participante da pesquisa que visa encontrar a fórmula certa da vacina para a Dengue, Matheus Stelmastchuk sabe bem como funciona isso na prática. Integrante do grupo de voluntários de pesquisa do Hospital das Clínicas de São Paulo, Matheus ganhou uma coleção de termos assim que decidiu participar da pesquisa para ajudar na cura da Dengue. Mesmo sabendo que está livre para deixar a pesquisa quando quiser, o estudante que nunca teve a doença não sente a necessidade de fazer isso. De acordo com ele, todos os pesquisadores e profissionais que coordenam os estudos deixam esse direito bem claro a todos os participantes. Ao mesmo tempo, fazem questão de promover um tratamento diferenciado e muito personalizado, o que gera uma sensação nos próprios voluntários de acolhimento pelo ambiente de pesquisa, na tentativa de evitar ao máximo o pensamento de abandonar o estudo e prejudicar as estatísticas do projeto.

" A partir do momento que um pesquisador define um projeto, ele é submetido a uma comissão ética para saber se esse projeto é viável. Ele se responsabiliza por tudo o que vai acontecer."

Isabel Clapis, Hospital Albert Einstein

Um dos grandes protagonistas da pesquisa clínica no Brasil é a indústria farmacêutica. É por intermédio dela, que surgem os projetos para novos medicamentos no mercado.

E para quem trabalha no setor da indústria farmacêutica, a pesquisa clínica começa de uma maneira minuciosa. “É uma investigação que a gente faz de um novo medicamento ou quando a gente quer mudar a bula de um medicamento, porque tem uma nova indicação aquele remédio. Aí surge a ideia de fazer pesquisa clínica”, disse Vivienne Castilho, gerente de operações de pesquisas clínicas da indústria farmacêutica Libbs.

Com o passar do tempo e a descoberta de novas variações em uma doença, os medicamentos, segundo a Anvisa, precisam ser renovados. Para que a indústria farmacêutica possa fazer um novo medicamento ou perceba que algum remédio que já existe precisa de uma nova indicação, é preciso que novas pesquisas sejam feitas. Assim, é preciso envolver, além da indústria farmacêutica, o médico investigador, os pacientes que participarão do estudo, o comitê de ética em pesquisas e os órgãos regulatórios.

Além dos critérios rigorosos para escolha de pacientes, existe também uma ampla participação de médicos. “Quando se trata de um estudo clínico, não é um médico só que participa; nós convidamos vários de todo o Brasil. Por exemplo, em um estudo que a Libbs está fazendo, 30 centros de pesquisa espalhados pelo Brasil estão participando. Quanto mais centros participarem, melhor pois a gente consegue atingir um maior número de pacientes”, disse Vivienne Castilho.

Segundo uma pesquisa feita pelo laboratório Pfizer, além de a pesquisa clínica caminhar a passos largos no Brasil, o país tem muitos fatores positivos para que ela se desenvolva. Boa estrutura nos centros de pesquisas, população heterogênea, incidência de vários tipos de doenças, condições climáticas distintas, médicos capacitados e grande massa populacional.

A criação e o desenvolvimento de um medicamento no Brasil consomem, em média, 15 anos de pesquisa e 802 milhões de dólares.

PARTE 2

Pesquisa clínica

e A indústria fARMaCÊUTICA

por Fernanda Elnour

Ao final de um estudo clínico feito por um uma indústria farmacêutica, os documentos coletados viram um artigo, e todos os termos, dados de segurança e as informações dos processos são documentados para que a empresa possa entrar com um registro dessa medicação na ANVISA. Após a liberação da ANVISA, o medicamento está aprovado e liberado para ser disponibilizado no mercado.

Ao contrário do que muitos pensam, para as indústrias, nem sempre é tão fácil recrutar participantes. Em cada tipo de pesquisa, existe uma demanda específica de pacientes e uma seleção rigorosa para que cada perfil se encaixe nos moldes pré-estabelecidos. O laboratório ou indústria farmacêutica responsável por determinada pesquisa tem a tarefa de selecionar rigorosamente as pessoas, de acordo com os critérios determinados nos termos de segurança.

Na busca por esses pacientes, é preciso da ajuda de publicações em veículos de comunicação, sites vinculados à indústria farmacêutica e um intenso trabalho de toda a equipe envolvida no estudo. Tudo isso porque, dependendo da doença que a pessoa tem ou do remédio a ser testado, existe uma rejeição muito grande.

" Fazer uma pesquisa clínica é como seguir uma receita de bolo.
Tem que seguir etapa por etapa."


Vivienne Castilho, laboratório Libbs

Quem Somos
Estudantes de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi
Gabrielle Carreira
Marcela Cappato
Filipe Zampoli
Fernanda Elnour

Direito a um tratamento

 

Um caso que se repete muito é o de pessoas que não sabem o que são estudos clínicos, mas que participariam caso tivessem acesso. A falta de conhecimento e de informações afasta possíveis candidatos importantes para os avanços da medicina. A estudante Camila Moreira possui uma condição bem comum: Tireoidite de Hashimoto. Essa doença não tem cura, mas tem tratamento por meio da reposição de hormônio. A cada seis meses, ela precisa fazer exames de sangue para verificar se os medicamentos estão fazendo efeito e de acordo com o seu organismo. E, uma vez ao ano, precisa fazer um ultrassom da tireoide para verificar se nasceram nódulos ou tumores no órgão. Além disso, precisa controlar o peso corporal, já que essa condição tende a fazer com que a pessoa engorde com mais facilidade.

 

“Eu já tinha ouvido falar um pouco sobre pesquisas clínicas, em jornais, mas nunca participei, nem conversei com o meu médico, mas acho muito importante, para a medicina e para mim também”, contou Camila.

 

O que Camila busca não é um tratamento, mas sim uma possibilidade de cura, pois Tireoidite de Hashimoto traz diversos problemas de saúde, como obesidade.

 

“Se encontrassem uma cura, seria muito bom! Hoje em dia não tem nada, apenas o tratamento com alimentação e hormônios. Seria uma grande vantagem e eu participaria de uma pesquisa que buscasse essa solução”, completa.

O tratamento que um paciente de câncer, ou que qualquer outra pessoa, recebe é resultado de alguém, em algum lugar, com uma ideia de que aquela molécula em questão poderia salvar a vida de muitas pessoas. É nesse sentido que podemos medir a importância das pesquisas clínicas. Quem participa ajuda a si mesmo, mas, também, a todos que venham a necessitar de novos tratamentos em suas vidas a médio e longo prazo.

 

“Sem a pesquisa clínica não teríamos nenhum tratamento hoje. A pesquisa clínica existe para que surjam tratamentos e para que eles sejam feitos de uma maneira correta. E nunca vão parar, porque sempre tem uma nova doença”, observa a coordenadora do Incor Gabriela Melo.

 

Além disso, para que novos tratamentos eficientes aconteçam, os seres humanos são muito mais que essenciais.

 

“Pesquisa clínica é com seres humanos. A gente precisa da parte clínica na fase de testes. Como que a gente vai dizer que aquilo é eficaz, seguro, se você não testa? Não adianta”, analisa a coordenadora do Albert Einstein, Isabel Clapis.

 

Segundo dados da ABRACO, até 2005 cerca de 100 mil brasileiros participaram de estudos da área médica.

 

Já conforme a Ciscrp (The Center of Information & Study on Clinical Research Participation), em 2006, mais de dois milhões de pessoas participaram de estudos ao redor do mundo. Pessoas que ao doarem seu tempo e corpos à medicina, conseguiram ajudar um desconhecido, ou até mesmo um familiar no futuro.

 

Segundo o INCA (Instituto Nacional do Câncer), mais de doze milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer ao ano em todo o mundo, sendo que 7 milhões irão morrer em consequência dos sintomas. Os números assustam, mas os avanços da medicina seguem uma proporção similar. Hoje existem diversas alternativas para facilitar tanto o diagnóstico quanto a cura. Um dos avanços mais recentes é a consolidação da cirurgia robótica. Essa técnica já é utilizada em quase 80% dos casos de câncer nos Estados Unidos e promete menos dor, menos intervenções, um menor tempo de internação, além de possibilitar que o tumor seja visualizado com mais resolução.

 

Até mesmo as tecnologias mais avançadas necessitam de uma ajuda extremamente primitiva: o corpo humano. A medicina não teria novas soluções para problemas antigos, se humanos comuns não aceitassem serem testados.

Escolhendo ser parte da solução

PARTE 3

Pesquisa clínica

e os participantes de pesquisa

por gabrielle carreira

A importância do participante de pesquisa

No entanto, nem todas as pessoas encontram uma pesquisa para a sua doença no Brasil. É o caso de Marianna Gomes, 22 anos, sofre com uma doença rara e ainda sem pesquisas no Brasil. A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva é uma doença genética, limitante, dura, sem cura, sem tratamento eficiente e pouco conhecida. Apenas 800 pessoas no mundo possuem essa doença. No Brasil, além de Marianna, outras 82 pessoas sofrem com a falta de informações da medicina.

 

A FOP, sigla que designa a doença, faz com que apareçam ossos no interior dos tecidos moles, como músculos, tendões e ligamentos, tornando os movimentos difíceis e limitados.

 

O fato de a doença ser tão rara leva a um desinteresse por parte das pesquisas clínicas. Segundo a organização Total Orphan Drugs, em 2014, um estudo deste tipo custava 2400% a mais por paciente do que um estudo de uma doença mais comum, como o câncer. Para Gabriela, existem duas maneiras de ver essa questão. A primeira é que algumas áreas que não são tão estudadas e que, por isso, não têm tratamento eficaz. A segunda é que “existe outra coisa que é o mercado: ‘vale a pena custear esse medicamento?’ Muitas doenças que não são valorizadas e por isso, não têm investimento”, disse a coordenadora.

 

Segundo dados da Abraco (Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica) de 2014, os estudos da área de Oncologia ficaram em primeiro lugar, totalizando 25,96%. Em segundo lugar, estão os estudos voltado para área cardiovascular e sistema nervoso, com 10,55%.

 

Por causa disso, Marianna só encontrou uma alternativa: aguardar por um estudo nos Estados Unidos. “Lá fora são 30 laboratórios, só que não são todos que estão em fase de estudos clínicos, aceitando candidatos. O que está mais avançado é o dos Estados Unidos, que é um estudo do medicamento Palovaroteno”, diz Marianna.

 

Assim que Marianna for chamada pelos pesquisadores norte-americanos, ela e sua família irão ao exterior sem pensar duas vezes. Para Marianna, no Brasil, faltam incentivos à pesquisa para doenças mais raras e que não atingem uma massa significativa de pessoas. Desde a fase de diagnóstico da doença, que pode ser confundida com câncer, até a fase de tratamentos, existe falta de divulgação e informações.

 

Lutando pelos outros

 

A busca pela cura em outros países também se repete em outros lares. Tamara Laiter, mãe da pequena Maitê, de 3 anos, passou por uma fase de falta de informações e agora está em busca de um tratamento para a sua filha.

 

Quando Maitê tinha apenas 7 meses, seus pais perceberam um atraso em seu desenvolvimento, como a dificuldade para se sentar, porém, até então, não apresentava maiores dificuldades. Com o tempo, outros sintomas surgiram e os médicos determinaram que Maitê possuía uma síndrome ainda desconhecida.

 

O diagnóstico da Síndrome de Kleefstra só veio em agosto de 2016, depois de realizarem um exame genético CHG Array, que consegue enxergar os cromossomos com detalhes e identificar possíveis erros, como por exemplo a microdeleção do cromossomo 9 que causa essa síndrome, que tem como principais sintomas o atraso cognitivo, de aprendizado e de fala.  

 

A síndrome é rara e atinge apenas 200 mil pessoas no mundo todo e ainda não possui tratamento no Brasil. Buscando por mais informações sobre a síndrome e também diminuir o preconceito, Tamara criou o blog “A Jornada da Passarinha”. Mais que obter mais detalhes a respeito da síndrome, o site ajuda a arrecadar dinheiro para uma pesquisa sendo realizada nos EUA pela Genespark, uma organização internacional sem fins lucrativos focada em encontrar um tratamento para reverter a deficiência mental, especialmente no caso da Síndrome de Kleefstra. Eles precisam de pelo menos 1 milhão de dólares para iniciarem os testes em humanos. A expectativa é de que em até três anos comecem os testes nas crianças.

 

O Universo dos testes clínicos

 

Os testes clínicos não são, necessariamente, apenas voltados para medicamentos e tratamentos. Alguns buscam entender outras questões que envolvem o corpo humano e até mesmo o funcionamento de doenças no organismo.

 

A estudante de arquitetura Mariana Alves, 20 anos, por exemplo, é uma participante de pesquisa, mas nunca precisou tomar nenhum remédio. No caso dela, os testes aconteceram apenas com um pouco de seu sangue.

 

“A minha motivação foi bem natural, porque eu sempre doei sangue no Hospital das Clínicas. Já faz uns três anos que vou para lá, então a gente fica sabendo de estudos que acontecem. Eu vi que estavam procurando voluntários para doar sangue para uma pesquisa e decidi participar. Na hora nem pensei se havia riscos”, conta Mariana.

 

Se uma pessoa que já teve Zika Vírus doar sangue, poderia infectar uma outra pessoa saudável através dessa transfusão? Esta é a pergunta que o estudo que Mariana participa está tentando responder. 

 

Os estudos também podem acontecer com exames médicos e interações de pacientes com tratamentos já existentes. É o que conta Tamiris Oliveira, 20 anos, que possui psoríase, uma doença que já foi considerada dermatológica, mas hoje, após a observação de pacientes, sabe-se que é sistêmica, ou seja, afeta todo o organismo e não só um órgão, além de ser uma doença inflamatória, crônica e que não é contagiosa.

 

Em 2011, cerca de três milhões de brasileiros possuíam a doença. A pesquisa “Clear About Psoriasis”, de 2016, feita pela farmacêutica Novarti com 8338 pessoas, em 31 países, inclusive no Brasil, apontou que muitos portadores da psoríase têm suas vidas pessoais afetadas. Por aqui, cerca de 96% dos pacientes já sofreram discriminação e humilhação.

 

Veja todos os dados da pesquisa.

 

No caso de Tamiris, os dados de exames e interações com os tratamentos disponíveis são utilizados em uma questão ainda desconhecida da Psoríase: como e por que essa doença surge? Ela é hereditária ou genética?

 

“Meu médico atual está fazendo uma pesquisa, querendo saber se eu tive algum problema emocional ligado à psoríase, porque, como é um problema na pele, você fica com vergonha de tirar a roupa, as pessoas não sabem o que é, então acham que é contagioso, infeccioso. Ele também está investigando os remédios que eu já tomei, as infecções que eu tive e como elas foram tratadas… Porque varia muito de pessoa para pessoa, em algumas a psoríase surge do nada. O meu pai também tem, então pode ser uma doença hereditária. Mas, por exemplo, ele tem e uma tia minha também, só que eles são oito irmãos. Por que eles tiveram e os outros não? São essas questões sobre a doença que estão pesquisando, tentando entender mais sobre ela”, lembra Tamiris.

 

Ajudar outras pessoas também foi a ideia do estudante de Engenharia Química Matheus Stelmastchuk, de 22 anos. Em 2013, ele ficou sabendo, a partir de um anúncio na televisão, de projeto da vacina da dengue do Instituto Butantan e decidiu se inscrever por acreditar que este tipo de estudo abrange uma boa parcela da população. O processo foi simples. Matheus se inscreveu no site do próprio Instituto e esperou ser chamado. Porém, só depois de dois anos é que o requisitaram.

 

“Na minha primeira ida ao Hospital das Clínicas, onde os exames são feitos, eu já assinei os termos e depois fiz os primeiros procedimentos: uma coleta de sangue e de urina”, contou Stelmastchuk.

 

Naquele momento, os testes precisavam de apenas 200 pessoas que nunca tiveram o vírus da Dengue ativo em seu organismo para receberem a vacina e essa cota já havia sido atingida. Matheus, então, só foi solicitado em junho de 2016, quando foram chamadas 1600 pessoas. Na nova consulta, houve outra coleta de sangue e, por fim, a aplicação da vacina.

 

A partir disso, o estudante teve diversas responsabilidades como participante de pesquisa: durante 21 dias, ele precisou medir sua temperatura corporal por duas vezes a cada 24 horas e anotá-la numa espécie de diário fornecido pela equipe de pesquisa.

 

“Eu não tive nenhuma reação, mas uma mulher que estava no mesmo grupo que eu teve as sintomáticas da doença três dias após a aplicação da vacina”, explica Stelmastchuk.

 

Uma característica importante deste estudo é o chamado “estudo duplo-cego”. Nem os coordenadores da pesquisa, nem os participantes sabem o que estão tomando. Pode ser uma vacina que combata a dengue, efetivamente, ou uma vacina que não contenha nenhum tipo de agente viral, ou seja, o placebo.

 

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, Stelmastchuk não teve medo. Ele apenas pensou no propósito da vacina: disponibilizar uma prevenção da Dengue no SUS. Já existe outra vacina disponível para ser comprada por quem se interessar, mas o valor bate na casa dos 140 reais.

 

“Eu recomendaria que mais pessoas participassem de estudos, seja para uma nova vacina ou novo medicamento, porque, querendo ou não, você está ajudando a população. E agora, depois de tantas epidemias, finalmente temos uma possível prevenção da Dengue”, disse o estudante.

 

Se aprovada nesta última fase de testes, a vacina será produzida em larga escala pelo Instituto Butantan e disponibilizada para campanhas de imunização em massa na rede pública de saúde em todo o Brasil. Mais pessoas em todo o país estão participando do estudo, totalizando 14 instituições de pesquisa. O acompanhamento dessas pessoas acontecerá por cinco anos para verificar a duração da proteção da vacina.

29% dos estudos não avançam da fase 1

 

55% não avançam da fase 2

 

40% não avançam da fase 3

 

Dados Food and Drug Administration, 2015

Para quem ouve falar pela primeira vez em pesquisa clínica, talvez a primeira imagem que venha à mente seja o termo “cobaia humana”. No filme “O Jardineiro Fiel”, dirigido por Fernando Meirelles (e adaptado da obra de John Le Carré), uma faceta dos testes clínicos é mostrado num contexto um tanto hollywoodiano, mas que pode traduzir a maneira como esse tipo de estudo é visto pela sociedade. A história mostra a vida de um diplomata britânico em Nairobi, cuja esposa ativista é morta enquanto viajava com um médico pelo Quênia. O motivo do seu assassinato está intimamente ligado à questão de “cobaia humana”: ela havia descoberto um escândalo envolvendo testes clínicos conduzidos no Quênia por uma grande empresa farmacêutica.

 

No caso da história, a empresa testava uma nova droga para a tuberculose (Dypraxa) que causava graves efeitos colaterais em seus participantes, inclusive a morte. No entanto, esse risco não havia sido informado àqueles que toparam participar. Em vez de fechar o estudo e comunicar seus erros, a indústria escolheu esconder esses resultados, com a expectativa de lucrar ainda mais.

 

Na realidade, o caso explicitado pode parecer mais uma teoria da conspiração, no entanto também traz um alerta para uma questão importante: quem são os rostos por trás dos medicamentos? São apenas cobaias?

 

Essa é a uma das maiores dificuldades que os investigadores enfrentam quando estão buscando novos participantes para estudos. Segundo Gabriela Melo, do Centro de Pesquisa do Instituto do Coração, ainda existe muita confusão quanto ao que é o estudo. “A maior dificuldade, primeiro é o recrutamento. Fazer a pessoa entender, que o estudo não é um golpe, que ela não é uma cobaia”, completa.

 

Para Isabel Clapis, coordenadora do centro de pesquisa do Hospital Albert Einstein, o conceito de cobaia ainda está muito presente na cabeça das pessoas. “Eu vou te dizer por que a gente não é cobaia ainda: cobaia é justamente que não pode dar um consentimento livre e esclarecido e ele não tem o direito de sair. Esse lado negro da pesquisa vem muito da Segunda Guerra Mundial”, completa.

 

Os humanos que testam as novidades da medicina são conhecidos como participantes de pesquisa e têm um tratamento totalmente especial e personalizado. E, na maioria das vezes, muito melhor do que aquele oferecido por hospitais públicos.

 

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2014, o SUS atendeu 1,4 bilhão de pessoas. Para o coordenador de pesquisa Bruno Bezzera, da Universidade de Medicina do ABC, as pesquisas podem inclusive ajudar a desafogar os atendimentos nos hospitais públicos e darem a oportunidade de mais pessoas terem acesso a um tratamento alternativo e que alivie os sintomas da doença que contraiu.

 

“Nós sabemos os problemas que o sistema público de saúde tem, então, quando nós falamos para esse paciente que ele vai ser atendido com muita frequência, com uma série de exames, tudo gratuito, ele acaba se interessando mais”, explica Bezzera.

 

Segundo a coordenadora Gabriela Melo, os pacientes gostam da atenção que recebem, pois é “olho no olho”, criando-se um vínculo. “Quando nós temos um novo estudo [no Incor], acabamos chamando a pessoa que já participou, porque ela vem e o envolvimento dela vai ser maior”, afirmou.

 

Jéssica Valentim, 24 anos, é uma dessas pessoas que encontraram na pesquisa mais qualidade de vida e também um cuidado maior. Ela contraiu Lúpus Eritematoso, uma doença autoimune e inflamatória, e faz parte de um estudo clínico do medicamento Belimumab, conduzido no hospital de base de São José de Rio Preto, interior de São Paulo.

 

A oportunidade de participar desse estudo surgiu pelo próprio médico que atendia Jéssica e que acreditou que ela poderia se beneficiar do tratamento.

 

Mas não foi tão simples assim. Com a possibilidade de tomar um medicamento ainda em fase de testes e com efeitos colaterais desconhecidos, Jéssica sentiu algo muito comum aos participantes de pesquisa: o medo. A falta de informações sobre o tema e o mito da “cobaia humana” afastam muitos participantes dos estudos. Segundo Jéssica, tanto ela, quanto sua família ficaram apreensivos no começo, mas conversaram e decidiram embarcar nessa oportunidade de melhora.

 

“Antes de entrar no estudo eu fiquei com muito medo, tanto eu quanto os meus pais. A gente ouvia falar muito que as pessoas eram “cobaias” de medicamentos, que não sabiam direito o que era, e por isso precisavam testar em voluntários. Mas, depois que eu entrei no estudo, vi que não tinha nada a ver com isso. Eles já conhecem o medicamento, sabem os efeitos colaterais que ele causa e fazem o estudo para saber se, ao tomar esse novo remédio, vamos melhorar ou não, ou até agravar a situação da doença”, afirma Jéssica. No caso da participante, a melhora foi de 100%.

 

Além da melhora significativa nos sintomas da doença, Jéssica recebeu um atendimento no centro de pesquisa diferenciado, principalmente para fazê-la querer continuar nesse protocolo. Afinal, ela está doando o seu tempo para estar ali, e é um dado importante para a medicina.

 

“O participante precisa entender que ele está se beneficiando, que ele é muito importante. O coordenador deve mostrar também, que ela não está fazendo “um favor”, mas que também está ganhando por estar ali”, afirma Gabriela Melo.

97% dos pacientes recebem cuidado bom ou excelente

 

97% foram tratados com dignidade e respeito

 

93% tiveram uma experiência positiva

 

Dados da ICORG (Ireland Cooperative Oncology Research Group) de 2013

Nesta série de podcasts o universo das pesquisas clínicas é exploradas nos vozes daqueles que trabalham e conhecem a área com mais propriedade. Para os leitores, e agora ouvintes, é mais uma oportunidade de compreender um assunto complexo.

BATE PAPO SOBRE PESQUIsA CLÍNICA

BATE PAPO SOBRE INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Reportagem na prática

Neste vídeo, os integrantes deste Trabalho de Conclusão de Curso falam um pouco sobre os bastidores de todo o processo da reportagem "Em Teste". Num bate papo descontraído, fala-se sobre dificuldades e os caminhos da produção. 

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O caso da FOSFOETANOLAMINA

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Reportagem na prática

Em agosto de 2015, emergiu na comunidade médica uma polêmica em nível nacional: a “pílula do câncer”. Uma substância que promete curar todos os tipos de câncer, mas que apesar de promissora, não apresentava eficácia.

 

O método da síntese da fosfoetanolamina, que depois virou a tal cura do câncer, foi desenvolvido pelo químico Gilberto Chierice, pesquisador da USP de São Carlos. O Instituto de Química, no interior paulista, foi o palco do estudo da Fosfoetanolamina, um composto que existe naturalmente no corpo humano que o professor conseguiu isolar e acondicionar em uma pílula. Ao longo dos estudos, um de seus alunos descobriu que a substância conseguiria agir contra um tipo de câncer de pele, mas até então, testado apenas em camundongos. Com esse resultado, o próximo passo seria ampliar os estudos para animais de maior porte e, depois, se fosse averiguada a eficácia e segurança da substância, dariam início aos testes em humanos, os testes clínicos. Mas nada disso foi feito e etapas cruciais, determinadas por órgãos regulamentadores, foram completamente deixadas de lado.

 

Fazer uso de medicamentos no Brasil é algo tão comum que questionar  a origem desta droga parece improvável. Nem sempre a bula é lida, e os efeitos colaterais ficam encobertos. No entanto, por trás daquele papelzinho com letras miúdas e do comprimido aparentemente inofensivo, existe um processo extenso: uma ideia defendida por um investigador, com o apoio de laboratórios farmacêuticos e institutos de pesquisa, além de ter sido aprovada em âmbitos éticos, jurídicos, médicos, financeiros e clínicos. Todo esse caminho é conhecido como estudo clínico, ou pesquisa clínica e é primordial para a renovação da medicina moderna.

 

Primordial também é a participação dos seres humanos como objetos de estudo. Desde a pesquisa para uma vacina que combata a Dengue, até um medicamento que seja capaz de melhorar os sintomas do Lúpus: em todo e qualquer tratamento existiu um grupo de pessoas que se propôs a testar, vivenciar e garantir que o maior número de possível de pacientes recebam o alívio de que precisam, de forma segura e controlada.

© 2016 por Em Teste.

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